28/12/2015

Cartas de Portalgre III

coton. by moumine


Somos sobras, apenas sobras. Tu sabes disso. Sempre soubeste - o exasperante desejo de me permitir consumir por esta paixão cega e ofensiva que nunca desistiu de mim. Tu não sei. Na minha fantasia mais doente, tu e eu teremos sempre uma história por acrescentar. Quase esqueço o teu corpo magro e tenso a tremer-me nas mãos. Quase esqueço que não nos olhamos nos olhos, não verdadeiramente. Mas eu era tua, tão levianamente tua, como hoje sou, à revelia de toda a gente e, ainda assim, tão estupida e pateticamente tua.
Orbito em torno da tua lembrança há 5 anos. Hoje sei o quão o tempo se torna inverosímel quando se fica paralisado. Não sei se te amo. Sei que me possuis, apesar do despeito, da distância, do mau sexo. Apesar dele. E apesar dela.
Entre a arte de esquecer e a incapacidade de lembrar, reinventamos a nossa história. Limámos os silêncios, beijámos melhor que nos livros. A saudade tira-nos o ar, e o sono, e a vida, mas sem querer, hoje somos apenas memórias delirantes que nunca aconteceram.

A vida que nós quisemos foi cancelada.