20/12/2011

Cartas de Varsóvia

E depois de uma viagem que te levou até às tuas melhores pessoas, voltas com o benefício da dúvida que talvez o teu avião se arrependa e te traga de novo a Varsóvia. Entretanto tocaste finalmente o chão do aeroporto e podes ainda fingir que a tua vida nunca vai deixar de ser essa passadeira rolante sem fim à vista, a tua mochila imensa sobre as tuas costas, aquelas cadeiras de gente tombada que dorme sob tantas partidas e nenhum regresso.

Depois de uma viagem que te trouxe tanta esperança. Que te encheu ingenuamente de certezas. Que te mentiu e tu não reparaste. Depois de uma viagem que ensinou ao teu corpo que nenhum homem alguma vez te terá tão inteira como todos os teus amores de passagem. Depois de histórias assim, não há medo nem compromisso que te convença a ficar. Tudo em ti é insatisfação, tudo em ti é ansiedade. Dás-te às coisas a meio gás, queres ir embora, e queres estar sempre, sempre de partida. A vida que deixas para trás, a vida dos fortes e dos determinados, não te faz feliz. Já pouco interessa que não sejas um deles. Já pouco dói que te tiraram o chão demasiadas vezes. O chão já pouco te vale porque tu queres mesmo é ir embora. Num banco de 2ª classe de um comboio nocturno de um país sem língua, com os olhos brancos dos sem sono que partilham contigo a distância, ao som da radio que te falará eventualmente do teu país e da tua língua. E então Barco Negro estará outra vez na radio de um país sem língua e tu vais saber que vais para o sítio certo.

02/12/2011

Cartas de Coimbra L




Lembro-me bem. Demasiado bem. As histórias quebravam-se, as relações entravam em constantes adiamentos, a vida fugia-nos das mãos, eu surgia e ia embora, eles surgiam e ficavam, e hoje fazemos todos parte de gavetas fechadas onde ninguém consegue mexer.


Foi quase pornográfica, sabes? A pressa com que me esqueci. A pressa com que quis pôr todos estes pontos finais de uma só vez. Repetia em monólogo que a vida, a minha vida, era para se arrumar por passos. Um acerto de pontas entre cada inspiração. Por cada Foi um prazer, mesmo quando não o era. E no entanto, a velocidade das coisas não me deixava pensar. Era tudo barulho, gemidos, os recortes gastos das músicas de sempre, mãos que me puxavam, mãos que me perdiam, memórias dispersas e sem sentido, o sabor de um alcool que eu não bebera, de um cigarro que eu não fumara, de um beijo que eu não conhecia. Fomos estupidamente felizes.

E depois pegamos no que restou de nós, nas cicatrizes ainda quentes e voltamos ao ponto de partida. Temos as arestas limadas, o coração mais pequeno, as vontades de novo alinhadas com o que sempre fomos. Olhamos para trás e sentimo-nos meros compassos de espera. Era comigo que ele dormia quando ela não estava. Era com ele que eu deixava todas as conformações do mundo enquanto tudo o resto falhava. E sim, eramos estupidamente felizes. Inconsequentemente felizes.