26/03/2011

Cartas de Lille XV


E há os eles da minha vida. E exististe tu. E eu existo e não entendo os contornos disto. Consumida nas pequenas misérias a que chamei vitórias. Segura num mundo movediço com sabor a vinho branco. Lamento, mas isso de nada me serve, porque o amor bateu a porta e eu abri a porta errada. Os homens continuam a desapontar-me pelo reflexo que vejo de mim própria. A promessa intempestiva de que tudo tem um prazo e de que tudo trás mágoa. E o charme cego de tudo aquilo que trás horas contadas.

Hoje de manhã, acordei de corpo tombado à cabeceira da cama, de maquilhagem rasgada na palma das mãos. O orgulho tem razões que a própria razão desconhece. E um dia, inevitavelmente, vou ficar indiferente ao tudo que se passa, ao tudo que se rouba no pedaço de chão entre dois bares. Vamos dar por nós destilados de raiva e de paixão, encostados à porta de serviço, a ignorar o cubo de gelo que seguramos na boca.

18/03/2011

Cartas de Lille XIV

Às vezes tenho a certeza que ela tira prazer de me magoar. Que ela me vê por dentro e vê o que falta e vê onde doi. Quero sair daqui mas não consigo. Não sei o que fiz de mal, não sei o como podia ter feito melhor. Quero seguir a minha vida mas ela não me deixa. Quero poder trabalhar sem ter o expectro dela a assombrar-me. Tenho medo que ela minta aos outros a meu respeito. Que ela queime as minhas roupas. Que ela me grite. Tenho medo da minha dependência, sem que dela precise para nada. Tenho medo das represálias e tenho medo da minha passividade e da minha insegurança e do efeito surpresa. Quero a minha dignidade de volta e para isso preciso de não ter medo do barulho insurdecedor das portas que ela bate, dos silêncios que ela maneja. Por favor, meu Deus, faz com que pare. Já não tenho a outra face para dar. Aliás, nunca imaginei que tivesse tantas. Por favor, faz com que pare. Eu hoje só queria poder trabalhar, distrair-me com a meteorologia, comer bolachas a tarde toda. Eu hoje só queria paz.