31/07/2010

Cartas de Coimbra XLVII, a última

Desde o instante que em que o larguei que ainda não parei de chorar. Foi a última das madrugadas. Deitei-me para não dormir e levantei-me sem querer ir embora. Não sei fazer isto de outra maneira. Há coisas que nos roiem por dentro e não conseguia dizer-lhe porquê. Deixei Coimbra há horas e sinto-me desfeita. Talvez porque não tive nem voltarei a ter um regresso a casa. Já não sei para o que voltei, e tu nem sem quer cá estás. Voltei cheia de uma pressa que não tinha, com toda a bagagem emocional que as despedidas tinham e eu não sabia. Desde o instante em que o larguei que ainda não parei de chorar. Não dormi um minuto que seja. Fiquei bloqueada algures no corredor frio da Associação de Estudantes. Bloqueada no segundo em que o vi surgir. Eu juro que nunca me passou pela cabeça que ia ser assim. Há despedidas que nos parecem mais definitivas que outras. Sinto-me partida. Continuo a chorar e já estou tão longe. As últimas frases, os derradeiros minutos, os abraços repelidos porque as nossas próprias escolhas nos trairam, a impessoalidade com que dizemos que lhes estamos gratos por tudo, mas o que custa é o que não dissemos, é o que não ouvimos. Os copos de vinho que não levantamos pela última vez. Os gestos que significam tudo mas que tivemos vergonha que fossem demasiado. A Cabra. A capa rasgada dos amigos. As lágrimas dos amigos. A ironia dos amigos. A coragem que não é coragem, mas medo, abandono e remorso. O livro aberto que fingimos ser. Coimbra que hoje pouco ou nada importa, porque ficámos desmembrados, vazios, entorpecidos, sem vontade. Virámos costa e não voltamos a olhar para trás nunca mais.

20/07/2010

Cartas de Coimbra XLVI

Sommeil by moumine
Dizem que a pior insónia é a da indecisão. Eu há 201 noites que não durmo. Faço por tornar simples a angústia mas de repente são novamente três da manhã e nada mudou.
Faltam 39 dias. Destes passarei menos de metade contigo e desta metade serão muito menos que algumas horas.
Hoje não consigo ser sensível. Estou a tentar escrever sem que seja preciso chorar. Eu hoje só queria dormir. Só queria que a angústia se fosse embora. Que o medo e angústia se fossem embora.
Estou a dar um salto no escuro e a sofrer as consequências por antecipação. Isto já não é sobre nós, sabes? É sobre mim. As pessoas não acreditam que eu seja capaz e eu também não. As pessoas dizem que é capricho. Eu digo que é estupidez. Não, realmente eu não falo francês e decidi viver um ano sozinha em França. Tu não vais lá estar (nem ele), sob forma nenhuma, porque a isso não te podes comprometer. Mas a minha vida vai girar continuamente em torno de ti, pois a única convicção que veio com a insónia foi a de te amar em qualquer circunstância, sob absolutamente nenhum pretexto.
4h00. A angústia ficou de repente mais pequenina, mas ela acaba sempre por voltar. Tenho medo. Mais. Estou completamente aterrorizada. Qual coragem! Tudo isto (um dia vais concordar)... Tudo isto não passa de uma valente lotaria. E tudo isto me lembra que um dia tive o descaramento de querer ser médica, sem, no entanto, caber no molde das pessoas que querem ser médicas. Que um dia tive pressa de sair de casa, que um dia tive vontade de ser visível ao teus olhos. Para sempre.
Como vês, afinal, não parei um só dia de sonhar. Talvez seja daí que venha toda a angústia. Tivesse eu realmente coragem e não voltaria a sonhar nunca mais.