26/06/2010

Cartas de Coimbra XLV


Às vezes perco a perspectiva. A idade aconteceu, os cenários mudaram, fui feliz das formas mais absurdas. Deixei para trás um buraco de recordações que preferia não ter para te contar. Uma menina de casaco vermelho e mãos nos bolsos. Uma menina invisível.
Quando penso nisso, volto irremediavelmente àquela tarde de Verão, deitada aos pés da cama. Já lá vão talvez seis anos. Nessa tarde, escrevi que um dia tudo seria melhor. Eu seria melhor. Teria, como tantas vezes te disse, o mundo à cabeceira. Um perfeito vazio de expectativas.
A idade aconteceu e sou hoje como prometi ser aos 14 anos. Fui mais longe do que isso. Tenho o meu espaço, a minha voz, as minhas histórias. Não tenho casa. Tenho a melancolia pendular das viagens de comboio. Estou no melhor lugar do mundo quando se tem 20 anos. Sou sozinha. Amo-te exactamente como imaginei que te amaria um dia.
Contudo, a idade aconteceu e hoje sou ainda uma menina invisível. Tenho voz, mas não tenho palmas. Histórias mas não carisma. Sou crítica e, no fundo, uma permanente desasjustada. O problema serei certamente eu mesma. Ou não passaremos quase todos de más pessoas. Às vezes tenho a certeza que conseguem ver através de mim, como se eu não estivesse de facto ali. Fazem de mim pequenina e eu torno-me minúscula. Fiz demasiadas asneiras. Achei que o álcool mudaria tudo e eu seria finalmente uma mulher diferente. Mas nós nunca roubamos nada da própria vida. Nós roubamos da vida dos outros e eu roubei a esperança que não era minha. As frases feitas. As festas académicas. Os amigos. Nada disso é realmente meu. Pessoas como eu não têm vidas assim. Não em Lisboa, não em Coimbra, não em lugar nenhum, por mais longe que consigamos ir
. E eu fui demasiado longe para descobrir isso.