29/07/2009

Cartas de Lisboa VII

Mujeres al borde de um ataque de nervios, Pedro Almodovar 1989


¿Cuántos hombres has tenido que olvidar en toda tu vida?
É com esta franqueza que Almodovar me convence a ver o filme até ao fim. É um tanto naive. Roça, como afinal a película inteira, o mau gosto, o burlesco, a falta de simetria de um história de amor falhada regada a gazpacho e sonoríferos. Perdoem-me os apreciadores, é um filme detestável. O que eu precisava hoje era de uma coisinha elegante. Não deixa de ser irónico, contudo. Aquela ali sou eu. Aquela ali, a personagem dos sapatos vermelhos, dos palavrões e das saias curtas. Sou eu e somos todas nós. Coño, diria. Também a mim me apetece um cigarro para o apagar na cama onde tantas vezes fizemos amor. Também eu conto com o dia em que dirás, pelo atendedor de chamadas, que “ya no me quieres”.
No fim de contas, talvez a realidade seja mesmo assim, burlesca. Talvez sejamos mesmo assim, feias, loucas, de perninhas finas, de olhar embriagado. Talvez os nossos namorados sejam terroristas, talvez nos usem, talvez nos mintam. Talvez as nossas melhores amigas se queiram atirar da nossa varanda para que reparemos nelas. Talvez exista algures um homem que valha a pena, que traia a mulher para ficar connosco, que seja gago, que repare telefones, que odeie a mãe e se arrisque por nós. Talvez a rotina seja realmente feita de coisas inverosíveis, sem que isso mude coisa alguma. Estamos apaixonadas e isso transtorna-nos de morte. O mundo tem de parar para deixar passar esse vendaval de medos, de ódios e estrogénios, ao sabor das coisas que eles dizem e que nós não podemos esquecer. Não importa, afinal, em que língua nos insultamos, apesar de em espanhol soar tanto melhor.
Eu, porém, já me olvidei de todos os homens que fui obrigada a esquecer com o tempo. Acho simplesmente que não deveria ter sido assim. A vida pode ter o mau gosto de uma comédia espanhola, mas os infortúnios raramente nos dão tanta vontade de rir. Às vezes parece que já só ficamos pelo sexo, pelo conforto físico. Não somos capazes de partilhar mais nada. Queremos ser melhores mulheres, com a paciência que só um par de cornos nos consegue dar. Queremos estar na retaguarda dos seus problemas, das suas angústias e não levar a peito as dúvidas que nos põem em causa a nós. Mas a certa altura percebemos que estamos a razar a fronteira do “não há nada que possas fazer”. E aí perdemos a vontade de tudo.