14/04/2008

Cartas de Coimbra VIII


Foda-se. Voltamos à estaca zero. À corrida indeterminada para uma latitude que apenas me espera a horas certas, mas que não me deseja de improviso. Não vou ser tua por meia hora, amor. Não me vou deitar contigo como quem pica o ponto e depois vai embora pela porta das traseiras. Não vou ser infeliz de novo para que tu não tenhas preocupações e estejas bem contigo e com o teu ego. Desculpa-me amor, mas se tiver que ser, voltamos à estaca zero e eu não vou ser tua por meia hora. Sobrevivi a uma, sobrevivo a duas, mas não vai haver terceira. Há desejos que não valem mesmo a pena. E, vendo bem, há amores que não duram para sempre, e que não perdoam tudo. Que se foda tudo o que disse. Homens, não há assim tantos, mas antes sozinha do que apenas oficiosamente sozinha. Amo-te como ainda não tivemos coragem de dizer um ao outro. E estas cartas que me sirvam ao menos para isso. Para te lembrar que as coisas não começaram entre os teus lençóis de flanela. Para te lembrar que, tarde ou cedo, um de nós se magoa e vamos precisar de falar – e, desculpa-me, mas depois de tudo, antes tu que eu.
A história das nossas vidas. A música a ecoar-me aos ouvidos enquanto atravesso Coimbra. As árvores, a chuva torrencial, as sensações, os cafés a fumegar das mãos dos amigos de ocasião. Talvez, afinal de contas, apenas a história da minha vida, sem ti. E não, amor, não voltámos à estaca zero. Por mais medo que me tenha dado quando me atiraste isso a cara. Hoje vou ser eu que me vou fartar e levo já o discurso ensaiado – como levo sempre, mas esqueço sempre. O amor é para os parvos e a mim falta-me apenas descobrir se sou parva que chegue para resistir-te. Se te perguntarem por mim, diz que voei – foi esta a ideia desde o início. Estares comigo, sem que ninguém notasse. Sem que eu notasse. Apenas as tuas mãos e a tua boca, mas não a tua voz, a tua presença concentrada no que eu realmente precisei.
O bom de te contar isto é que não precisei de chorar.

05/04/2008

(In)Decisão

Elisa, por Pascal Renoux


Se eu pudesse abrir os olhos, veria que não fomos feitos um para o outro. Veria que dificilmente haverá alguém que me sirva tão perfeitamente como tu me serves. Veria que agora é tarde ou cedo para sermos felizes para sempre e se não for assim, desculpa meu amor, mas então não fomos feitos para estarmos juntos. Desculpa me amor, mas se decidires por mim, não decidas pelo que fomos. Decide se ainda é justo tudo isto, decide se ainda é justo pedires-me o tempo de uma vida inteira, mas não o decidas pelo que fomos. Sabes que estarás sempre nas entre-linhas do meu dia e da minha noite também, mas hoje sou mais feliz sem que estejas aqui ao meu lado.

Se eu pudesse abrir os olhos, veria o homem imperfeito que te tornaste e talvez por isso te amasse mais ainda. Veria que já não seguimos de mãos dadas à procura de um mesmo enquadramento. Já não estamos convictos que as direcções erradas nos hão-de levar ao mesmo destino, escolhido e desenhado por nós. Agora, mesmo de olhos fechados, eu sei que voltámos ao ponto de partida: à música a segredar-nos ao ouvido a história de amor que não tivemos, à música a embalar esta forma de estar que não quisemos. Meu amor, se eu pudesse abrir os olhos, amar-te-ia um bocadinho menos e assim tudo seria bem mais fácil para os dois. Apagaria o teu número de telefone, esqueceria os detalhes que nos juntaram, daria menos importância aos acasos que te afastaram. Meu amor, se eu conseguisse ao menos abrir os olhos!

Hoje eu sei que já decidiste. Como decidiste da primeira vez. Pelo meu bem, sem que eu te pedisse coisa alguma. Hoje sei que já decidiste, e sei que eu decidi também. Eu decidi adiar o tempo. Decidi matar memórias, decidi que não ia chorar quando me olhasses nos olhos e me dissesses que é melhor assim. Hoje eu decidi que não vou voltar nunca mais a esta cidade onde te perdi, onde desapareceste sem que eu desse conta. Decidi que seria feliz sem ti. E que lamentaria todos os dias que assim fosse.