30/03/2007

Suponho que sempre que não podemos dizer, com simplicidade, "abraça-me e não me perguntes porquê", há uma parte de nós que se esgueira para a despensa dos sonhos


Eu não sei o que me dói mais. Se este estado já tão missionário de felicidade estanque, se esta tua semi-ausência na minha vida, se este teu coração a querer ser o lugar quente que eu procuro julgando reconhece-lo como reconhecia a espécie de amor-cão que ele tinha para me dar.
Como se ele tivesse coisa alguma para ser dada… Ainda que às vezes eu goste de acreditar nisso, quando é de um corpo que eu sinto falta e não da tua voz. Tão simples quanto isso. Ele era o comprimento de uma saia que caía ao chão num instante. E ao cair, éramos dois a misturarmo-nos na mentira de entreter os dias pelos motivos errados. Depois vinha sempre o silêncio, um vazio em profundidade a prender-me à cama, a pele a arrefecer novamente, a alma a questionar-se, o corpo a não reconhecer mais as vontades que o moviam. E depois… num gesto de insensibilidade, ele olhava-me e tirava-me o cabelo dos olhos. Talvez procurasse ver-me a chorar por dentro, como quem agradece e lamenta simultaneamente. E ao olhar-me, sugava-me com os lábios a textura limpa das pálpebras que só viam o que o coração sentia. Como se o coração pudesse alguma vez sentir coisa alguma…
Enfim… sobra sempre qualquer coisa para que remoamos na ausência dos que vêm nas primeiras linhas da nossa lista de afectos. É psicológico, não emocional. E um dia ainda hei-de provar que será químico e matemático também. Por agora… não sei onde dói mais. Talvez no facto de não haver mais espaços para que eu te conte tudo, absolutamente tudo, de que me arrependo. E a vida não nos devia ter dado tempo para estas coisas…

Hoje sinto a falta dele. Não a tua.

Antigamente queria ser tal e qual esses poetas de café que cheiram a mofo e consta que têm as almas mais bonitas do universo. Sim... eu queria ser assim porque acreditava profundamente na felicidade despercebida que eles não precisavam, resumindo-se e, no entanto, insuflando-se, na violência com que o mundo os recebia e com que eles recebiam o mundo: o mundo que era afinal de mulheres bonitas, de lugares ideais onde a diferença faz parte dos dias, de horários trocados, de roupas largas em corpos magros e tristes... de cigarros, de lágrimas, de frio, de noite, de cinzento. De luas cheias.
E eu queria ser assim... queria-me definir segundo esses contornos, apagados mas tão nítidos, tristes mas tão extraordinariamente complicados de se concretizarem genuinamente.
Depois percebi que não faria sentido tornar-me um escritor de vão de escada, um intelectual escondido por detrás das cortinas de um azar qualquer que apenas eu não compreendia. E eu tinha, então, idade para ser apenas uma idealista.
Depois cresci... e hoje sei que o que sentimos ao crescer não somos nós a mudar, mas o mundo a olhar para nós de uma outra forma. A esperar que actuemos na presença e em virtude de si próprio conforme os moldes que o nosso corpo e a nossa idade ditem que devamos agir. E eu não sei até que ponto me apetece que assim seja. Não sei até que ponto quero que o mundo surja para me pedir que de, um momento para o outro, eu não tenha mais quem vele por mim e seja eu a velar pelos outros. Não sei até que ponto sou capaz do frio de não ter por sistema um abraço que me protege e me garante um abrigo sempre que algo corre mal.
Por isso... eu hoje não quero ser mais um poeta de café, mas uma daquelas alma enormes que suportam tudo e perseguem tudo com um sorriso tolerante nos lábios e um olhar prevenido no rosto. Quero a alegria imediata, quando sabe a recompensa. Quero o suor e os calos nas mãos, as adversidade, os azares e no fim a certeza de que sou capaz de superar tudo isso conforme os ideais cristãos da minha infância. Quero o sabor da bonança, daquela paz infinita que nos trespassa de lés a lés, quando pelo meio vieram tantas tempestades que me atiraram ao chão e me obrigaram a reinventar-me para me puder levantar novamente.
Quero tudo isso sem me perder. Sem me perder a mim, nem aos meus poetas de café.

23/03/2007




Agora a sério... Se perguntarem por mim, digam que voei... E que dias tão ventosos como este se repitam nas nossas vidas as vezes que foram precisas para que dormamos mais vezes insuflados com as esperanças adiadas e os sonhos ainda presentes...
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Até já

15/03/2007



Aquela ali deitada a fixar o nada, sou eu. Não tem as minhas feições, não o meu cabelo, não as minhas cores, mas tem a ideia. A definição do que sou quando tudo falha e, de repente, não éramos tão pouco há já muito tempo. Aquela sou eu, digas lá tu o que disseres. Sou eu, apesar de eu ter relevo e ela não. Sou eu mesmo que tu digas que não. Eu, independentemente da presença dela ser outra, mais leve e definida, mais breve. Eu mesmo que o Nada que fixo seja outro, mais concreto e limitado, a tender para os rostos e para as formas, a fugir do vazio que o Nada sugere. E esse nada… todos os dias a comprometer-me com a desistência, a saber que daqui em diante tudo dependerá de mim e eu desse tudo que condiciono sempre que fico estática a ver as coisas acontecerem sem as poder inverter. E serei, como sou hoje, o cansaço personificado de quem vive de antemão as derrotas e imagina que o destino lhe fará xeque-mate a cada intenção. Serei, quem sabe, uma chave sem fechadura. Um prolongamento de demasiadas vidas a crescer sem suporte, sem um chão que não ameace ruir a qualquer instante, com um medo tão imenso e triste que não me move nem me recua, mas me mantém.
E eu… eu serei, com sou hoje, aquela ali deitada a fixar o nada. E, tal e qual como acontece hoje aqui nesta perspectiva, o futuro dará as reviravoltas que quiser, dar sem me comprometer ou alterar. Continuarei a valer o que as minhas vozes interiores ditarem que valha, sem as poder inverter. Continuarei presa à avaliação constante a que me prostro, de valor numerado e equacionado, dependendo da força das circunstâncias e da vontade de mais(como se a vontade pudesse alguma coisa!). Lamento, mas hoje tudo falha e eu sou aquela ali a fixar o nada. O Nada como me sinto. O Nada a desenhar-me as formas simples de se ser feliz, tão complicadas de alcançar e impossíveis de entender.
Lamento mas hoje tudo ameaça ruir. E amanhã vou precisar que me abraces e jures que isso para ti não faz diferença: que para ti Tudo ou Nada é-te igual, que para ti sou suficiente sendo este Nada suspenso no horizonte que ela fixa e que eu fixo também. Lamento mas nem de lágrimas se constrói um Nada tão oco como o que me tornei ainda agora. E depois… depois espero que me imagines com os contornos dela e acredites que aquelas são as minha feições, o meu cabelo, as minhas cores. Não preciso que te preocupes com a ideia. A definição do que sou amanhã será provavelmente outra, ainda que, em rigor, eu serei a mesma e continuarei a precisar desse teu abraço que hoje tenho como certo.

14/03/2007


Pode faltar tudo. Faltar tempo, faltar espaço, faltar ideias claras e óbvias a seguir os gestos que fazemos. Pode faltar-nos o chão, pode não haver chuva que seja suficiente, nem sol que nos contente. Pode não haver lugar para nós, pode não existir certeza sobre coisa nenhuma, pode-se tudo de repente resumir a dogmas e hipóteses, esgares de pensamento a dançar sobre a falta de tudo, caindo aos poucos na convicção de nada, na firmeza de coisa nenhuma.
Pode faltar-me tudo. Porque o Tudo que restar ser-me-á suficiente. Porque existem Tudos que compreendem o tudo e o nada e Esses não me vão faltar. Mesmo que da existência deles eu não tenha certeza. Mesmo que tudo o que me restar seja um Nada, nada denso, nada certo, a fugir-se-me das mãos e a correr para o incerto que alguém me prometeu logo ali ao virar da esquina. Pode faltar-me tudo, que eu hei-de acreditar provavelmente que sobrará sempre alguma coisa a segurar-me aos dias, nem que seja um ideário, um sonho de contornos baços e consumidos, um universo limitado e abstracto a suportar o que sou e a permitir que ainda o Seja. Não importa. Pode faltar-me absolutamente tudo, que eu não vou acreditar que tal coisa seja, alguma vez, possível. E depois… que importância teria perder o que não se conquistou ainda? Que importância perder-me se não fui, alguma vez, encontrada inteira? Que importância perder-me ou encontrar-me se não acredito que tal seja possível?
E depois, que importância escrever sobre um tudo e um nada, de fronteira tão esbatida e imprecisa, onde já nada é razoável, mas latente de extremos, de posições demarcadas, de tolerância zero. Onde já não há nada que se perca, senão o tudo ou o nada, jamais um meio termo de uma parte de nós ou de um outro que deixamos cair enquanto nas lembranças ainda havia espaço para nós. Para nós dois.

06/03/2007


I want to be a good woman. And I want for you to be a good man.

Constrangedor dizer-te isto. Como se fosse eminente que a vida nos há-de trocar as voltas para não sabermos de repente quem somos nem para onde vamos. Falo por mim. Quem és e por onde vais… sempre o soubeste. À tua maneira. Nessa tua estranha maneira de existires sem urgência, sempre na retaguarda e simultaneamente num pelotão da frente, vigiando o que acontecia à tua volta, seguindo por caminhos traiçoeiros que foram sempre seguros para ti. Mal de mim, se um dia quis seguir-te até ao fim do mundo. Porque em simbolismo encontrei realmente esse fim do mundo, estacionado mesmo à minha frente, enquanto tu enganavas outras almas que se entregavam a ti como eu me tinha entregue. E por isso, tenho vontade de te chamar mentiroso, e o resto. Todos os dias. Em todas as horas em que o vazio ocupa mais espaço que o que se passa à minha volta.
And I want to be a good woman. Talvez por achar que tenho ainda de te provar alguma coisa. Talvez por achar que tenho ainda de provar a mim própria que desta vez te vais desvanecer nos meus dias sem que eu tenha de lutar contra ti por muito tempo. Olho para mim e dou comigo no baloiço do jardim em que nos encontrávamos. Custa-me estar aqui. Demasiado. Assim como atravessar as ruas e reconhecer, no anoitecer, a tua sombra enorme de braços abertos à minha espera. Assim como o olhar penetrante de uma criança de cinco anos que me fixa e que depois me deslarga, deixando-me continuar em frente para que tudo volte ao lugar. Assim como o cheiro que, de repente, um desconhecido trás consigo e me lembra o teu. Assim como o calor remanescente dos cobertores que evocam o calor, agora em falta, do teu corpo enorme. Assim como a tua voz ainda excesso na minha vida, como as tuas mãos a tropeçarem nas minhas quando procuramos o mesmo ombro, como os mesmos olhos cansados e fechados, as mesmas partilhas de tempo e de espaço, como o mesmo contemplar de uma só lua cheia. Assim como a minha vida a ser uma vida igual às outras mas sem direito a ti e, ainda assim, cheia de ti, a transbordar de ti na luz da janela e nas músicas tristes, no medo de um futuro que se olha e não se encontra em lado nenhum. Em nada, nem em mim.


I want to be a good woman.